Escapada Lírica

Estou em Rio Bonito de Lumiar, distrito de Nova Friburgo, em fuga planejada para o sítio de minha irmã. A casa, fincada na natureza no seu estado inocente, em um verde total de montanhas, um silêncio de grilos, cigarras e passarinhos, acariciada pelo chuvisco ao anoitecer, fica aos pés da Mata Atlântica e tem, logo embaixo, o rio Bonito, represado feito cachoeira — um ato de amor de quem o presenteou.

É um paraíso de difícil acesso — uma opção dos seus poucos moradores, egoísta, mas perdoável.

Na varanda, aqui balançando pensamentos em uma rede, escuto o correr permanente da cachoeira. Um barulhinho bom que me remete a anos-luz... a rios de cidades onde morei, ao som da chuva e ao cheiro de terra molhada... cheiro morador de lembranças da minha infância — paisagem de emoções nem sempre decifráveis, mas leves e felizes.

No compasso de minhas emoções atuais, embaralhadas e assustadas, curto, assim, um frio amigo de 13 graus, que normalmente me é negado porque moro no Rio de Janeiro, promovida a cidade-vulcão.

É uma escapada, que bem pode ser chamada de terapia de socorro, tendo por cúmplices pessoas da minha convivência amorosa — minha filha, minha irmã e minhas ex e atual companheira. Juntamo-nos nesta fuga para fazermos amor com a natureza, um recurso que apaziguará por alguns dias nossos corações aflitos.

O Rio talvez seja o estado mais atingido pela desgraceira nacional em razão de ter sido, durante anos, alvo de governos corruptos que solaparam o fundo público para encher seus privados bolsos. Cidade igualmente de nome Rio, outrora maravilhosa, por todos celebrada, foi, a cada eleição, ficando mais e mais vulnerável. Costumo dizer que o povo do Rio tem uma atração fatal por maus governantes. Exemplo mais dramático foi a eleição do prefeito em 2016 e, em 2018, de um juiz desconhecido para governador, à época parceiro do atual despresidente.

Tal desgraça elevada ao cubo configurou para mim o que chamei de trio do Mal e, nestes tempos pandêmicos, também da Morte: o Capeta, prefeito; o Satanás, governador, e Lúcifer, presidente, oriundo da cidade.

Enfim, Rio de Janeiro... cidade que por mim foi muito amada, mas que hoje se tornou quase um ex-amor forçado, um fundo mergulho com um horizonte de destruição, medo e desesperança, principalmente desde 2019 com a chegada do Inferno ao nosso combalido e desprotegido paísão.

Hoje, sou apenas desejo de ir embora... não sei para onde, talvez para lugar algum. Estou muito mergulhada neste presente assustador de implantação do nazifascismo, em grande medida pelo que ele traz à tona do passado por mim vivido nos anos de chumbo durante os 21 anos de ditadura militar. Mas também pelo que ele tem de nova roupagem, nem sempre apreensível pela enorme massa atordoada brasileira.

Ainda que por um breve espasmo de luz, estou me sentindo um pouco consolada neste e por este momento, envolvida com o manto da natureza, que amortece em mim as ameaças do futuro que nos espera, a nós, os brasileiros comprometidos com a Democracia.

Resta-nos a tênue esperança — não sei como nem por quais agentes — de que algum milagre dos homens aconteça e nos salve.


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