Parafusismo: uma teoria sobre tipos humanos

Induzida por este tempo atual de Pandemia & Pandemônio Político, resolvi recuperar uma crônica antiga para trocar com vocês, porque acho que estamos todos à beira do desparafusamento geral. 

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Quantas vezes cada um de nós já disse ou escutou alguém dizer que fulano de tal tem um parafuso a menos ou a mais?

Hoje quero discutir um pouco essa questão, sob alguns prismas, partindo de um pressuposto: vocês já pensaram se todos os humanos tivessem os parafusos no lugar, como seria chatésima a convivência humana?


Pensemos agora sobre pessoas que conhecemos pela vida fora, que são, digamos assim, bem arrochadinhas. Por exemplo, você já se deparou com um funcionário público administrativo, daqueles que usam óculos de aro grosso preto e guarda-chuva preto, modelo de antigamente? Esse é o protótipo do parafusado de cabo a rabo... desculpem a chula expressão.

Outro tipo é o sacristão de cidadezinha do interior, aquele que beija a mão do padre, usa camisa abotoada até o gogó e sacode aquele sino da missa como se estivesse tocando um instrumento de percussão. A cara dele já sugere um parafusão, daqueles que servem pra arrochar as pessoas como se fossem objetos.

Há também o crente dessas seitas religiosas, que anda pregando pelas ruas a conversão das pessoas. Alguns usam roupas escuras, pretas ou azul marinho, ou então totalmente brancas, como se essas cores revelassem o seu estado de purificação e/ou austeridade interna. Já repararam que eles andam meio duros, como se de fato estivessem bem parafusados? Afinal, concordam que esses tipos são autênticos representantes de parafusados juramentados?


Vejamos, agora, na outra ponta, exemplos de totais desparafusados. Penso nos biritados permanentes, que precisam de doses diárias para colocarem, paradoxalmente, uns poucos parafusos no lugar. Aí, de fato, eles conseguem alcançar o seu estado verdadeiro, o desequilíbrio equilibrado, dá pra entender? 

Também considero os chamados loucos oficiais os autênticos desparafusados porque chegaram ao máximo estágio de não precisarem se parafusar, verdadeiramente de encontro às regras da ordem estabelecida. Aliás, em alguns casos, o excesso de parafusos é que provocou a desparafusagem total. 

Ainda neste extremo, vejo os tidos como marginais perigosos, que estão distribuídos em todas as categorias de delitos sociais. Estes propriamente nem têm parafuso nenhum, usam outro tipo de ajuste ou melhor dizendo, de desajuste na sua inserção social. Pudera! A escola necessária para a sua atuação é a libertação de seus parafusos.


Situados os extremos, pensemos agora nos semiparafusados, aqueles que apresentam características mais interessantes e até charmosas desse desequilíbrio parafusal. Aqui há uma variedade imensa de tipos, a mais ou a menos.

Por exemplo, alguém pode ser parafusado na cabeça e desparafusado no corpo, estes tipos são comuns entre os intelectuais, quer dizer: são muito brilhantes de cabeça, mas o resto do corpo, uma tristeza: ruins de cama, cheios de sintomas de TOC, desprovidos de qualquer vaidade corpórea, descabelados e mal roupados, enfim, desequilibrados parafusalmente.

De outra ponta, temos os corpóreos radicais, aqueles que têm na massa física sua razão de viver. Pro corpo, tudo, e pra cabeça, zero. Estes, penso que até são mais felizes, não vêem a vida passar e, neles, os parafusos faltantes são de difícil aquisição porque o cérebro se esqueceu de fabricá-los.

Temos também o tipo sexual desparafusado, são os considerados desencaminhados sociais. Destes, alguns remam contra a maré, seja porque não vivem sem aquilo, são os tarados, ninfos de todo tipo; seja porque vivem o que não é afeto à ordem sexual instituída. No meio desses, há uma característica interessante: eles despertam atração e medo. Talvez os enquadrados socialmente saibam, lá no fundo, que “de perto, ninguém é normal”, ao que eu acrescentaria: nem no escurinho do quarto... rsrs.

Há também os desparafusados mais destacados ou invejados socialmente: são os artistas, os gênios e criadores em geral. Neles, o parafuso seria um entrave à sua criação e desempenho. Eles, por assim dizer, nem conhecem bem o que se configura como parafuso, tal a sua falta de prática com este senhor enquadrador. São uns felizardos e nos ajudam a suportar alguns parafusos que nos são impostos e que não conseguimos arrancar.

Por fim, ressalto um tipo intermediário, aqueles que funcionam à base de parafusos entortados. Aqui entram os super-alguma-coisa: os superacelerados, os superchatos, os supergrudentos, os superbabacas e por aí vai, todos aqueles que perturbam nosso santo dia. Estes não têm conserto porque são parafusos genéticos: se tirar algum deles, os ditos morrem.


A partir desse panorama, cada um poderá fazer sua avaliação valorativa de cada um desses grupos e se identificar / encaixar em um deles. É possível, então, que vocês concluam que este pode não ser apenas um texto despretensioso de uma cronista semiparafusada, mas que faz indicações reais de vidas aprisionadas / empobrecidas ou da adoção de uma vida mais libertária, leve e solta, a partir do uso, em maior ou menor grau, de parafusos sociais.



Comentários

  1. texto espirituosamente aparafusado! acredito que cada um de nós vai se aparafusando e desparafusando ao longo da vida. o importante é, como diz o poema [do "tesserato", de calí boreaz]: não jogar fora os parafusos. ; )

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