Isto não é uma crônica, é um Cronifesto

Reservara o espaço da crônica de hoje para falar de outro tema, mais leve, mas fatos políticos recentes, que considero gravíssimos, me impulsionam para outra abordagem.

Ando preocupada com o andar da carruagem nazifascista nas últimas semanas, com destaque para três ocorrências no país.

A primeira é do sábado passado, dia 30 de maio, quando um grupo de pessoas mascaradas carregando tochas protestou em frente ao STF, em Brasília, numa clara ameaça a este poder constitucional. Tal ato lembrou o uso de tochas em manifestação de nazistas na Alemanha, na década de 1930. Vale também lembrar que tochas e máscaras são componentes tradicionais de atos do grupo supremacista branco Ku Klux Klan.

O segundo episódio ocorreu no domingo, dia 31 de maio, com uma carreata e pessoas a pé se dirigindo para a Praça dos Três Poderes, com faixas atacando o Supremo, insultando os congressistas de corruptos e pedindo intervenção militar. Esperavam o presidente da República, que, por sua vez, sobrevoava de helicóptero a Esplanada para pousar depois no Palácio do Planalto, em companhia do Ministro da Defesa, Fernando Azevedo. Ambos cumprimentaram os manifestantes, num explícito apoio a tais reivindicações anti-democráticas.

A terceira ocorrência teve como ator o vice-presidente, em dois momentos. Antes, convém lembrar que o general Mourão, no primeiro ano do seu mandato, posou constantemente de moderador, agindo como uma espécie de apagão de falas e/ou medidas do despresidente Bolsonaro. No entanto, há mais de um mês, através de um artigo na Folha de São Paulo, eis que começou a assumir sua verdadeira face autoritária, ainda que de forma um tanto dissimulada, contendo um certo linguajar ameaçador.

Diga-se, de passagem, que a memória dos brasileiros é um tanto quanto desmemoriada. Já na campanha para as eleições presidenciais, em 2018, em entrevista a um programa na Globo News, o general vice expressou inequivocamente sua posição favorável a regimes de exceção, como a ditadura de 1964, defendendo o autogolpe do presidente com apoio das Forças Armadas em caso de desordem social ou, como ele referiu na época, “anarquia”.

O segundo momento de Mourão ocorreu agora no dia 3 de junho, em artigo seu no jornal Estadão de São Paulo, no qual — demonstrando mais uma vez, e enfaticamente, seu ameaçador autoritarismo — acusou a imprensa por "incensar" ações criminosas e defendeu que "baderneiros são caso de polícia e devem ser conduzidos debaixo de vara às barras da lei". Tal artigo provocou reações no Congresso por parte de políticos de vários partidos, de governadores de alguns estados, de integrantes de instituições como a Associação Brasileira de Imprensa, a Ordem dos Advogados, entre outras.

Penso ser urgente a sociedade conversar a respeito, seja onde for, em casa durante o isolamento, atuar nas redes sociais, em manifestações escritas, formando grupos de trocas de ideias sobre esse momento de trevas no Brasil e as possíveis saídas. Temos de repactuar para o futuro e isso tem de ser público. Vamos exigir que as forças políticas façam um pacto não eleitoral diante das ameaças do desgoverno desses cabras da peste (literalmente).

Estamos vivenciando um grave momento de saúde pública, com uma previsão de contaminados em torno de quase dois milhões de brasileiros e uma elevada taxa de mortalidade. E esse governo nazifascista do Bolsovírus não assume a menor responsabilidade no que diz respeito à suficiência de equipamentos, leitos, pessoal técnico. Das verbas destinadas ao combate à pandemia, só 10% foram utilizadas até agora. Recentemente, depois de se livrar de todo e qualquer ministro da saúde que insista na razão da ciência, passou inclusive a atrasar / mascarar a divulgação dos dados estatísticos referentes à pandemia, em clara guerra à luta pela vida, querendo ao máximo fechar os olhos das pessoas para a gravidade do momento. Em compensação, defende armar a população para resistir às medidas de isolamento, numa abominável postura de escárnio e descompromisso com os mais de mil brasileiros mortos a cada 24 horas. Sublinhe-se, aliás, que a inexistência de Ministro da Saúde há quase um mês configura uma vergonhosa omissão criminosa.

O que pode ser feito diante de tão grave situação? Como fazer algo com algum significado e alguma repercussão pública e coletiva?

As manifestações nas ruas representam atualmente algo muito temerário. Vimos que no domingo passado houve confronto entre os dois grupos, o Pela Democracia e o Apoio ao Governo. Nesta semana foi noticiado, na imprensa e nas redes sociais, que o Bolsomal solicitou aos seus apoiadores que não se apresentassem nas ruas no próximo domingo (amanhã). Alguns analistas levantaram a lebre: parece suspeita tal solicitação — o plano pode ser a infiltração de fascistas treinados para tais intervenções a fim de praticar violência e depredações.

Ressalto, aqui, o alerta feito por Luiz Eduardo Soares, no passado dia 3, em redes sociais. Ele, que foi Secretário Nacional de Segurança Pública em 2003 e Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro em 1999/2000, é mais do que credenciado pela sua experiência para nos aconselhar que seja cancelada a manifestação de rua pró-democracia anunciada para este domingo, dia 7 de junho, enfatizando que os sinais são assustadores, ostensivos e crescentes no sentido de uma possível intervenção militar. Segundo ele, tal manifestação, com forte probabilidade de descontrole, daria motivo para que o governo decretasse estado de sítio, o qual deve ser submetido à aprovação pelo Congresso, e, caso este não o faça, isto seria, então, o pretexto para a decretação do golpe militar, cuja ocorrência já foi, de resto, anunciada pelo Zero Três — só a definir quando.

Também o Procurador Geral da República, aliado do presidente, afirmou, em recente entrevista, que as Forças Armadas poderiam, sim, intervir caso um poder invadisse a seara do outro, numa clara alusão crítica ao Supremo.

Daí voltamos ao ponto de partida, só restando, por ora, ao nosso alcance, os manifestos e a formação de grupos para debate sobre como reagir a esse estado de coisas.

Pois bem! Surgiram, então, alguns manifestos, entre eles aquele que considero o mais importante até o momento, o Estamos #Juntos, o qual rapidamente teve uma enorme adesão de signatários famosos da política, da literatura, das artes, da academia, entre outros. Outro, chamado Juntos pela Democracia e pela Vida, sob a responsabilidade da organização Pacto pela Democracia, tem como patronos alguns bilionários brasileiros. Também surgiram grupos, como o Somos 70 Por Cento, com integrantes diversificados. São iniciativas que têm como ponto comum única e exclusivamente a defesa da Democracia contra as ameaças de um golpe dos nazifascistas que ocupam o governo federal.

E Luiz Eduardo nos chama a atenção para atitudes e pronunciamentos sobre tais iniciativas por parte de brasileiros de múltiplas inserções sociais, afirmando ele: “Enquanto isso, do lado de cá, uns e outros estão melindrados com manifestos conclamando à união pela democracia. Questionam suas intenções e origens. Não querem ser usados por adversários que buscam se redimir de erros passados. Ou seja, perderam conexão com a realidade. O fogo já começou a lamber seus pés.” E alerta que só faz sentido ir para o confronto se a correlação de forças se firmar, o que não acontece neste momento, “ou poderemos sofrer uma derrota histórica, um banho de sangue e um golpe.”

Comungo da posição do Luiz Eduardo quanto a essas reações equivocadas, inclusive de figuras expoentes da política nacional que se juntam aos portadores de tais melindres, negando-se a assinar manifestos ou a integrar grupos com tais finalidades de defesa da Democracia, invocando purismos descabidos frente ao grave momento político, econômico, social e de saúde pública, ignorando que qualquer frente de luta é necessariamente heterogênea.

A meu juízo, é inaceitável a posição daqueles que não reconhecem o papel muito importante da grande imprensa através dos principais jornais e da poderosa Globo, que está fazendo um jornalismo exemplar contra o governo do Bolsovírus, inclusive na grave situação do Covid-19. O sectarismo, o xiitismo e a intolerância frente a posições contrárias às nossas não podem ter assento em frentes dessa natureza porque vão de encontro a princípios democráticos.

Penso que tais brasileiros desconhecem ou estão esquecidos da história das grandes revoluções em vários países, a exemplo da revolução russa, a cubana, a portuguesa, que tiveram apoios e participação de múltiplos segmentos da sociedade civil não necessariamente integrantes da esquerda — mas também da burguesia, de diferentes igrejas, do empresariado e também de posições políticas mais aconchegadas ao centro e à direita. E no Brasil não foi diferente no que diz respeito às lutas pela redemocratização contra a ditadura militar.

Sugiro, com toda a humildade, que tais reticentes revejam suas posturas e até, se for o caso, revisitem a História de tais revoluções sociais e seus processos de aliança entre os diferentes segmentos da sociedade tendo como único elo a defesa da Democracia. Não é hora de discutir posições políticas. Precisamos, antes, retomar o terreno da política e do debate (inexistente neste governo) para, então, sim, e só depois, reassumirmos nossos lugares.

A hora é, pois, de união entre todos os brasileiros antifascistas, de todas as crenças e de diferentes e até antagônicos segmentos de inserção social, que possam se articular para oferecer um respirador à Democracia brasileira, ainda tão jovem, reconquistada às custas de lutas e vidas de muitos contra a ditadura militar que nos assolou por 21 anos.

Fica aqui o meu Manifesto.


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