Crônicas sentidas... e perdidas dentro de mim

Já tentei ser Cronista em tempos idos — não tão idos. Mas, em determinado momento, parei. Entrei num profundo modo silêncio, porém um silêncio ruidoso. Passo a explicar. Desde que parei de escrever, acumularam-se em mim crônicas paralisadas por uma mão invisível, que as impedia de assumir sua materialidade escrita.

Neste longo hiato, vivi um processo inexplicável para mim. Era um estranho impedimento manifestado continuamente em um ritual incômodo que me provocava culpa, ora pela omissão de não mais publicar, ora por me sentir desperdiçando a possibilidade de desenvolver melhor meus pensamentos através da escrita, a qual necessariamente exige alguma organização e, quem sabe até, uma conclusão. Inquietações, reflexões sobre temas do cotidiano, questões individuais e sobre a realidade social em seus múltiplos desdobramentos — tudo isso se acendia com frequência na minha mente, que se punha então a discorrer a respeito, e até atribuía títulos às natimortas crônicas, e, assim como se acendia, se apagava. Para todo o sempre, provavelmente...

Como explicar tais ocorrências? Tenho algumas suspeitas a respeito, mas não sei garantir se são verdadeiras. A mais provável explicação é que, a partir de agosto de 2008, comecei a vivenciar um período novo e sublime de minha vida, com a adoção, por mim e por Maria Olívia, de Maria Vitória, vítima de um aborto deliberado de sua mãe genética, aos 7 meses de gestação, o que lhe causou a destruição quase total de seu cérebro, com sequelas cognitivas, motoras e emocionais muito graves, que lhe valeram dez cirurgias e três intervenções cirúrgicas até 2019, bem como a realização de vários tratamentos e terapias semanais até o presente e sem tempo marcado para acabarem...

Frente a essa nova realidade, fiquei literalmente desestruturada com o afrouxamento de meus parafusos corporais e emocionais. Me envolvi totalmente com o ser Mãe, condição até então não existente no figurino de minhas vestimentas humanas e sociais.

Vivendo nessa nova conjuntura, eu só tive olhos, cuidados e amor para minha pequenina Vivi, e tudo o mais foi para o espaço. Crônicas para quê e para quem, devo ter inconscientemente me perguntado. De fato, eu me sentia insegura, às vezes até apavorada, com esse novo papel a mim delegado pelo destino e para o qual me sentia despreparada. Pensava: que enorme responsabilidade atribuída a uma pessoa como eu, doidivana, amante da vida noturna, da loira geladinha — como é chamada a cerveja pelos cariocas — , nos bares da vida de tantos lugares onde morei. E tal perturbação amorosa me absorvia, me prendia dentro de mim mesma, talvez a poupar energias para conseguir corresponder a essa grandiosa missão.

Contudo, pari e passu, nestes doze anos de interrupção do Blogorodó, leitores das minhas crônicas frequentemente me cobravam sua retomada, e eu sempre afirmava que iria fazê-lo, embora, confesso agora, sem nenhuma convicção. Ressalto, neste sentido, o especial impulso de Carolina, que, na nossa convivência diária, se dispôs a me assessorar, inclusive terminando por me presentear com um novo espaço virtual para ele, com um novo projeto gráfico. E, assim, aproveito a ocasião para agradecer também à minha amiga Lúcia Mourão, que criou, em 2007, o Blogorodó na sua primeira etapa, o qual está linkado aqui para quem quiser visitar.

No âmago do meu ser, o certo é que habitava um certo incômodo quanto ao abandono do aconchego deste fiel escudeiro transmissor de minhas ideias. Então, dito tudo isto, eis que, nestes recolhidos e reflexivos tempos de quarentena, de repente, ou não tão de repente assim, aqui estou eu a retomar meu posto de aspirante a Cronista.


Comentários

  1. que bom que você voltou para nos inquietar com essa sua mente cheia de abismos e voos. salve!

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    1. Obrigada, querida, pela sua instigante parceria.Beijos.

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  2. Parabéns pela conquista de um sonho antigo, seu jeito de escrever dá prazer de ler. Beijos ,Fafá Serra

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    1. Obrigada, minha querida irmã, companheira de todos os tempos. Beijoss

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  3. Querida professora, que bom que retorna. Esse tipo de comunicação que a internet permite é muito importante para acalentar a problemas que a"internet" traz.
    Ela, internet, sob os auspiciosa do mercado, nos distância em ilhas de ego, mas também pode nos aproximar.
    Terminei meu doutorado com uma tese, um filho e muito desgaste. De forma que seu texto, sua história ajuda a entender um pouco do que também aconteceu/ acontece comigo. Fervo de ideias que não nascem, ou nascem capengas. Com o tempo tenho me esforçado em entender isso, o que acontece comigo e seu texto ajudou bastante.

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    1. Querido Roberto, seu texto me emocionou, principalmente porque você captou com sensibilidade os meus sentimentos nessa crônica. Quem sabe ainda vamos nos encontrar e trocar nossas experiências vividas.
      Um beijo

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